domingo, 7 de outubro de 2007

Tradutores tiveram de encarar a carga emocional ligada a Ariel


Os versos de “Papai” estão entre os mais complicados de se traduzir do Ariel para o português. O londrinense Rodrigo Garcia Lopes os aponta como um poema “relativamente difícil” pelo uso perverso que Sylvia Plath faz do estilo dos poemas rimados para crianças a fim de “exorcizar” o pai e o marido.

Porém, é “Papai” que contém os trechos mais admirados por Garcia Lopes, exatamente pelo trabalho que deram. Ele destaca: “Você está diante do quadro-negro, papai, /Na foto que ainda tenho de você, /Cova em seu queixo ao invés de seu pé, /Mas não menos demônio, sem porquê, /Não menos o homem negro que /Mordeu meu coração em dois lugares. /Tinha dez anos quando o enterraram. /E aos vinte tentei morrer /E voltar, voltar, voltar para você. /Achei que até os ossos iam querer.”

Poeta que se tornou referência como tradutor – sobretudo depois de verter ao português o clássico Folhas de Relva, de Walt Whitman –, Garcia Lopes dividiu com Maria Cristina Lenz de Macedo o trabalho de “transcriar” Ariel.

“Tomo emprestado a expressão de Haroldo de Campos (“transcriação”) e a idéia de tradução como recriação porque, no fim, toda boa tradução acaba sendo isso mesmo”, diz.

Garcia Lopes tem um arsenal de metáforas para dar conta do trabalho (por vezes colossal) de traduzir. Ele vê o tradutor como um traficante, um goleiro e um detetive.

Primeiro, porque “trafica” informações de uma língua para outra. “No caso de Sylvia Plath, ela foi tão glamourizada biograficamente que traduzir seus poemas passou a ser a melhor forma de mostrar que grande poeta ela foi”, explica.

Segundo, porque pode fazer “defesas” maravilhosas, “mas, se tomar um frango numa partida, é por esta jogada que será lembrado”.

Por fim, exercita sua veia detetivesca porque precisa se colocar, de certa forma, na mente do autor que pretende traduzir. “Algo como o que os detetives fazem quando se colocam na cabeça de um criminoso para descobrir suas motivações”, compara.

Não bastasse as manobras de que lança mão normalmente, diante de uma poetisa como a autora de Ariel, o tradutor tem ainda que agüentar a carga emocional que acompanha versos como os de “Viva por Acidente”: “Não espero muito de um presente este ano. /Afinal de contas, estou viva por acidente. /Teria me matado alegremente naquele momento, de qualquer jeito possível”.

“Muitas vezes me emocionei com ela, me entristeci muito, chorei com os poemas e outras vezes fiquei muito feliz”, lembra Maria Cristina, que aconselha a leitura em voz alta “para sentir a musicalidade nos versos”.

Garcia Lopes conta que costuma tirar “férias” do autor que traduziu para se recuperar de uma “exaustão mental”. “A obra do outro nos alimenta e nos ensina muito nesse processo. E a última tradução, na verdade, acaba sendo o conjunto de releituras e correções que você fez até chegar ao resultado final”, diz.

Referências

Por meio de sua obra, Sylvia procurou assimilar a traição do marido Ted Hughes. É o que acontece em “A Outra”: “Adúlteros sulfurosos sofrem em sonho. /Vidro frio, como você se insere /Entre mim e mim. /Eu arranho feito gato. /O sangue que verte é fruto escuro – /Um efeito, um cosmético. /Você sorri. /Não, não é fatal”.

A edição brasileira de Ariel tem um adendo valioso com notas que fornecem a data em que os poemas foram escritos (“O Enxame”, por exemplo, é de 7 de outubro de 1962 e completa 45 anos hoje), revelam os bastidores de cada um (como indicar que “Canção da Manhã” foi dedicado à filha, Frieda) e trazem explicações de algumas opções estilísticas de Sylvia (como usar a onomatopéia de um tiro de canhão – pou, pou!).

As notas, somadas à apresentação e ao prefácio de Frieda Hughes, dão um bocado de referências históricas fundamental para o leitor transitar pelo universo poético de Ariel. Caminho semelhante foi percorrido pela tradução.

Para recriar os versos, Garcia Lopes diz que foi importante conhecer detalhes biográficos de Sylvia – como o cavalo que ela cavalgava (o Ariel do título), e seu interesse por apicultura (criação de abelhas), em parte por seu pai ter sido uma autoridade no assunto.

FONTE: GAZETA DO POVO

Um comentário:

Prof. Hugo! disse...

=)
só pra passar e ver como tá
tentar ler essa mulher quando estiver mais folgadinho